top of page

Amargo & Inútil: se politizar atenuasse a dor, o povo brasileiro não agonizava

  • Foto do escritor: João Rosa de Castro
    João Rosa de Castro
  • 14 de dez. de 2024
  • 2 min de leitura

Atualizado: 15 de dez. de 2024

É de pura politização que trata este pequeno livro Amargo & Inútil de João Rosa de Castro. Talvez valha a pena politizar a poesia como ele faz.

O livro trata de uma maneira um tanto estridente da adesão ao risco, dos mercados financeiros, como se o risco de quem tem capital vultuoso o incomodasse; como se ele cuidasse desse capital [rsrs]. Fala também do que aponta o título desta breve reflexão: poetizar, refletir, queimar a mufa, “trabalhar”, estudar, politizar o quer que seja, etc., resolvem? Se o Brasil desde há muito agoniza no básico? Por fim, também fala de uma certa “terra”, que ele diz “não ser com os pés que se pisa”; a terra é “virtualmente cibernetificável, ainda que material”. Parece que ele fala de uma espécie de governo ou de estado transcendental, mais do que de uma terra. O eu-lírico exige ainda para ontem a transmutação de todos os valores e chama sua gente para a grande campanha.



ANNUS HORRIBILIS 

 

Será feito quanto substitua

a liberdade das ruas,

a atmosfera dos bares,

uma simples ida ao teatro

com ingressos populares.

A popularidade dos miseráveis,

há muito em alta,

exalta ações que os tribunais de contas

abraçam com vários braços

e amplos bolsos.

O poeta nato manifesta as

flagrantes fotografias

feitas em suas câmeras viscerais

sometimes true, sometimes foolish —

e é ridicularizado.

Os negativos são levados

por enchentes de cidades tombadas,

mentes tombadas.

Artesanato,

arte descartável,

arte clássica,

plástica,

de clowns suburbanos:

arte subordina-se ao

princípio da incerteza,

da regra cega,

de milhões de martelos

e cálculos estratosféricos,

da tristeza súbita das mulheres

e outros tipos de sangue.

Quantos elementos

serão necessários

para convencer

um homem-pessoa

a esquecer de vez

o projeto manhatan

ao invés de lançar-se

da alta janela?

Eu vou

plácido por fora,

por dentro

uma sangria desatada,

caminhando e cantando

e rangendo os dentes

até ao palácio

para cuspir no chão

ignóbil e distante

de tudo que não seja

estatiscrático, tecnocrático.

Pião,

vídeo-games,

bolinhas-de-gude,

bonecas,

pelúcias,

carrinhos-de-corrida,

ioiôs,

bambolês,

brinquedos e papais-noéis

subjugam-se ao que ser,

que comprar

que gastar,

que esquecer,

que inventar,

quem enganar.

Quantos milhões de decibéis

serão suficientes

para que o senhor da mentira

ouça uma ária da verdade?

Eis a perfeição do mundo:

forças de atraso a balas

e objetos cortantes

para fazer temer,

fazer tremer,

fazer calar.

Estado-e-bandidos-unidos-sociedade-anônima.

Olhares continuistas

lançam os inconformados

num precipício,

e o big business curte sol

na ilha de rostos.

This is the world

that we created.

Muitos beijos e carícias

serão necessários

para crer em algo

que simbolize futuro.

É preciso beijar.

É preciso que se deixe beijar.

 


 
 
 

Comments


©2018 by Pedra de Toque. Proudly created with Wix.com

bottom of page