Amargo & Inútil: Se se propusesse apostas sem lastro, pouco a gente apostava
- João Rosa de Castro
- 27 de dez. de 2024
- 2 min de leitura
Atualizado: 30 de dez. de 2024

É um contrassenso o adágio de que “quem não arrisca não petisca”. Antes não arriscar do que arriscar e perder, no mínimo, metade do que se arriscou. A aposta precisa ter outros significados que ganhar; a saber, participar de algum acontecimento humanitário; a saber, contribuir com alguma causa distinta; a saber, interagir em um grupo ou agremiação; agora o povo está próximo das apostas, e creio que mais se perde do que se ganha com elas. Ou melhor, os apostadores provavelmente ganham menos do que as operadoras de apostas; as quais, para conquistarem mais apostadores, precisam levantar algumas bandeiras que permitam que um cidadão de boa consciência participe de suas apostas. Parece ser algo assim que este poema significa.
CHÃO E CIRCO
Havia um risco
traçado na esquina deserta.
O servidor trouxe-o
direto para os jornais.
O risco invadiu
as praias e as piscinas;
tomou conta
das lavadeiras
de além-riacho.
O risco foi secando
os pratos e as mesas.
O risco apossou-se
das estações
do ano e de trens.
Havia um risco
na virilha da
criança bastarda.
O que na pele
se escondia
alastrou-se pelo corpo
e tomou-a toda,
o espírito inteiro
e a barba,
em homem.
O risco calou
Beatles e beatos.
Removeu montanhas
com sua fé fabricada
nas colunas decentes.
Depois que descobriram
como multiplicar
versões brasileiras
de rejoicing
(um neomodo
de acabar
com o neon),
depois, inda ao
contarem as contas
de ouro
na sandália
das neoninfetas
(uma neomaneira
de armazenar medo
no humano coração),
até Tenório
— tão apaixonado —
perdeu
a amável namorada.
E tudo virou
a selva.
E a selva virou
vitrine.
E a vitrine virou
tudo.
O risco sobressalente
e tirânico encomendou
pichação sem cedilha,
instituiu viração
nas mais santas cidades
e transformou o mundo
neste mundo
em que piso
(e que me pisa)
da noite para o dia.
Comments