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Antes do Crepúsculo: Cores Proibidas

  • Foto do escritor: João Rosa de Castro
    João Rosa de Castro
  • 5 de mar.
  • 5 min de leitura
CORES PROIBIDAS
CORES PROIBIDAS

Jordana insistira em descobrir com Aniceto o porquê do “pé na bunda” que pensava ingenuamente ter levado de Ignácio. Aniceto retraíra-se nas conversações cibernéticas. Não queria se envolver no caso. Já era sério, ao ponto de haver um certo receio geral de Euzébio, ex-marido, que Jordana abandonara por amor de Ignácio.

Pelo Quiéquiá, Jordana e Aniceto conversavam.

— Olá. Como vai?

— Tudo bem, e com você?

— Tudo bem também. Está sabendo?

— Do rompimento de vocês? Estou sim. Fazer o que, não é? Essas coisas acontecem.

— Eu não sei o que houve. Queria entender.

— Fica assim não, Jordana. Eu já passei por situação parecida. É difícil mesmo, mas você supera.

— Queria ir com você no risca-faca de elite para conversarmos, tomarmos uma cerveja. O que acha?


************


Pelo Quiéquiá, Aniceto e Ignácio conversavam:

— É complicado mesmo, Ignácio. Ela me chamou para bebermos no risca-faca de elite, mas eu não respondi. Não queria me envolver na história de vocês.

— Normal, Aniceto. Nada que você não contorne com sua experiência. Na vida tudo sempre foi sério assim, nós é que levamos tudo na esportiva pra não nos estressarmos.

— Eu sei lá. Vamos ver.

— Não só no risca-faca de elite como em qualquer lugar, tudo o que você disser será usado contra você.

— É verdade. Fico com medo de dizer a ela algo que leve a uma confusão como já houve tantas entre nós da nossa turma.

— Bem, fica a seu critério. Eu não tenho nada a opor.


************


Pelo telefone, Jordana fala com Ignácio.

— Só porque eu lhe devo, vai me excluir da folha de rosto?

— Não lhe excluí...

— Como não? Estou excluída.

— Não fui eu. Eu tinha pensado que foi você. Não tenho nenhum motivo para excluí-la. Na minha página aparece assim também o seu perfil, como se eu tivesse sido excluído por você. Não tenho motivos...

— Muito menos eu.


************


Pelo Quiéquiá, Jordana fala com Aniceto.

— Vamos beber só duas cervejas. Eu pago uma, você paga outra.

Ficou decidido o encontro na sexta-feira em que Ignácio dissera a Aniceto que não sairia de casa à noite.

Aniceto optou pela mesa de frente, próxima à avenida, escolheu a cadeira voltada para fora para Jordana, e a oposta, a voltada para o interior do bar, para ele. Ficaram sobrando duas cadeiras.

Logo o Maranhão ofereceu o litrão, que foi aceito por ambos. E Aniceto iniciou a conversação assim:

— Sabe, Jordana. O Ignácio é… Sei lá… Ele não falou direito pra mim quem terminou com o noivado de vocês.

— E pra mim não falou por que ele terminou. Simplesmente não quis mais responder às minhas perguntas; disse que estava farto de perguntas.

— Então foi ele que terminou.

— Eu acho que foi ele, ele acha que fui eu.

— Como, Jordana! Mais uma vez vocês dois se separam.

— E mais uma vez naturalmente sem permitirmos saber quem terminou.

— Mas algo deve ter deixado ele em silêncio.

— Nós tivemos uma conversa meio séria antes de dormirmos, na casa dele, mas tinha ficado mais ou menos resolvida a conversa. Não pensei que ao acordarmos de manhã, ele viria com essa.

— É. Fica difícil saber.

— Mas, como não poderia deixar de ser, eu queria saber se não está rolando algo entre ele e alguém, que você saiba.

— Não sei. Ele não fala dele nas nossas conversas. Ele se fecha. Só quer saber de mim ou… Quando fala, é colocando assuntos de outras pessoas…

— Isso não deixa de ser uma fuga, não é mesmo?

— Pode ser. Ele não confia. Pode estar se escondendo até de mim que o conheço, quer dizer, tenho amizade com ele há mais de vinte anos. Mas o teor dessa conversa que você teve com ele não dá pistas do porquê de ele ter ficado assim, avesso às suas perguntas?

— Eram ciúmes. Eu estava desconfiada daquela figura ali.

— A filha do Maranhão? Não. Nada a ver. Ela é atenciosa com todo mundo, pode prestar atenção. É eficiente sem ser dada.

— Será? Eu confiava muito no Ignácio, mas elas?

— Mas, olha. Não compare não. Essa aí é firmeza. Mas vamos mudar mais ou menos de assunto. Como tem estado agora depois da separação em casa, no trabalho?

— Muito irritada. Pensando em mim, nos meninos, nos planos que são totalmente diferentes agora. Foi uma surpresa. Na escola, então, nem se fala: as crianças estão sofrendo com minha perturbação. Acho que vou procurar um psicólogo.

— Faz isso. É bom desabafar. Só tenha cuidado ao falar da sua intimidade. Tenha confiança no seu psicólogo antes, veja se há mesmo afinidade entre você e ele ou ela.

— Está sendo um péssimo começo. Você não tem ideia do absurdo que é a minha dor sem ele. Ele foi muito importante pra mim. Mas acho que devo ter sido uma grande decepção pra ele.

— Não pense isto, todos somos importantes neste mundo. Mas ele é bacana mesmo. Tem umas falhas comigo e com alguns da nossa turma. Mas, de verdade, ele é um grande amigo.

— Imagino que seja, tantos anos de amizade com vocês na turma.

— E os meninos, seus filhos, como viram a separação?

— Ah. Sei lá. Não disseram palavra. Só ficou decidido que nenhum de nós três vai mais à casa dele…


************


Por acaso, não mais que por acaso, Ignácio teve um momentum em sua casa. Desinquietou-se. Queria ver gente sem querer falar. Estivera a semana toda sem conversar com ninguém, a não ser em esparsas conversas no Quiéquiá e na folha de rosto. Ao chegar ao risca-faca de elite, e, em deparando com a dupla conhecida, animou-se.

— Chegou o assunto. — Disse, fazendo um clique com a língua.

— Chegou mesmo. — Disseram os dois juntos, com um sorriso de boas-vindas. — Ainda que meio constrangidos.

Mas ele desconversou dos dois, foi até a jukebox e colocou Forbidden Colours para tocar. Os olhos de Jordana faiscavam. Ela, curiosa como sempre, serelepe demais, buscava saber como se comportava a filha do Maranhão, o dono do bar, com a chegada do ex-noivo.

Logo que Ignácio sentou-se numa das cadeiras sobrando, ironicamente pedindo permissão, mesmo se sabendo bem-vindo, notou um olhar de sobressalto em Jordana e voltou-se para acompanhá-lo. Passava-se uma celeuma entre Maranhão e Rúbio, que, supostamente, “desrespeitara” sua jovem filha. Mas, em o Maranhão não sabendo que o homem era boca quente, lançou-lhe pimenta aos olhos… Iniciava-se assim um tumulto no bar, do qual as escassas pessoas às mesas fugiam, mas Ignácio — que gritava com ambas as partes como se fosse uma autoridade — quis apartar. Debalde: Rúbio em fúria sacou de uma arma e, confundindo as miras, atirou na perna do velho e no peito de Ignácio. Ambos caíram, a sangrar e a gemer, todos a correr, ficando apenas Jordana, Aniceto e a jovem, que já gritavam e chamavam socorro. Foram levados para o pronto socorro de imediato.

Pouco depois disso, na emergência, Ignácio sucumbia à morte pedindo à Jordana mil perdões pelo seu silêncio.

 

In: CASTRO, João Rosa de. Antes do Crepúsculo. 2a ed. São Paulo: Autopublicação. 2025. Disponível em www.pedradetoque.com


 
 
 

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