Fogo Fátuo: Entre a ignorância e a sabedoria
- João Rosa de Castro
- 20 de mai.
- 3 min de leitura

Queríamos fazer filosofia por aqui. Mas o que é filosofia? Diz a ferramenta de pesquisa que é o “amor pela sabedoria, experimentado apenas pelo ser humano consciente de sua própria ignorância [Segundo autores clássicos, sentido original do termo, atribuído ao filósofo grego Pitágoras (sVI a.C.).].”
Vamos considerar essa conceituação embora os embusteiros do saber costumam menosprezar o valor da ignorância.
Portanto, o silêncio e a ignorância seriam o princípio da filosofia. Se afirmamos ou indagamos qualquer coisa, passamos da ignorância para o saber, ou para o fazer saber; e por saber ou fazer saber, deixamos de ser os seres humanos conscientes de nossa própria ignorância e nos tornamos seres humanos “supostamente” conscientes da nossa sabedoria; logo, haveríamos de ganhar outro nome que filósofos.
Os mais importantes filósofos da história da humanidade, nomeadamente, os pré-socráticos, entre eles Tales, Anaximandro, Anaxímenes, etc. são considerados por alguns os “fundadores” da filosofia. Antes deles, não havia quem buscasse e debatesse e impusesse as teorias da origem do mundo, seus princípios, a “substância primordial”, que teria dado origem ao mundo.
É certo que não havia consenso nem mesmo entre mestres e discípulos naquela busca, de modo que, por exemplo, se um afirmava que a substância primordial era a água, outro dizia que era o fogo, outro dizia que não era nenhum dos dois, mas a “união dos quatro elementos básicos”, etc.
Havia um diálogo que não “respeitava as diferenças”, como se procura hoje. O que nos causa algum estranhamento. Muito pelo contrário: para reverenciar a própria teoria, o teórico haveria de escarnecer, ridicularizar, menosprezar a teoria do outro, do contrário a sua própria estava em risco.
O diálogo era antitético e produtivo. Antitético porque os homens estavam em guerra intelectual. Produtivo porque naquela guerra intelectual (e não santa, como passou a ser a guerra depois de Sócrates), os argumentos haveriam de ser extremamente convincentes, do contrário a teoria em questão poderia se esvaziar.
É por isto que chamamos filosofastros a alguns dos supostos filósofos da atualidade. Porque nem mesmo um nome como Friedrich Nietzsche — que consideramos o mais alto nível em termos de filosofia da vida real, porque fez mais em silêncio e na observação do que através da oralidade — nos convence de sua sabedoria plena, uma vez que andava a palrar e a debater com os amigos. E inda ensinava a palrar. Dizia, em Humano, Demasiado Humano, que para aprender a falar era necessário passar um ano em silêncio. Mas vemos ainda que “o filósofo é aquele que está lucidamente consciente da necessidade da ignorância inerente à condição humana”.
Donde questionarmos com postura: convirá ao filósofo transformar a ignorância em algo diverso? Seria possível que um homem soubesse ou fizesse saber todas as coisas? E mesmo que isto fosse possível, qual seria a necessidade da façanha? Filosofia e popularidade estão necessariamente vinculadas?
Os judeus esperam pelo Messias, que seria mais ou menos essa espécie de homem, ou, pelo menos, um que trouxesse a paz à terra: correndo, porém, o risco de fazer de sua vida uma guerra contra os que não estão muito preocupados com ou interessados pela paz, muito pelo contrário.
Em época de emergência, o importante é o alerta. Existe o adágio que diz: em época de guerra, a lei silencia. Estamos, pois, vivendo uma época de paz extrema em que a lei, a lei dos estropiados, a lei dos ressentidos, dos oprimidos, dos fracassados, dos escravizados — essa lei proveniente da moral de escravos prevalece e determina o que podemos saber. Se a lei diz, todos ficamos tranquilos, pois a lei há que nos proteger, e, sendo assim, não precisamos abrir a boca em busca de outro tipo de proteção.
No entanto, os estados se esquivam e se escamoteiam por trás da “produção dos insumos básicos para a sobrevivência humana”, uma vez que se forem proteger uns dos outros, haveria de usar a força para aniquilar a todos como um Leviatã: eis um dos resultados da democracia; ainda bem que nosso estado só agora apresenta fumos de tirania, mas cremos que são só fumos mesmo, porque é débil.
É por isto que o cálice de vinho tinto de sangue é amargo. Porém, logo que se abre a boca, manifesta-se a violência, como estamos fazendo aqui, com metade da população que nos poderá ler. Imagine se andássemos dizendo isto em praça pública!
Ao menos, quem nos lerá até este ponto é aquele que está bem vacinado para os males ou anestesiado para as cirurgias, tarimbado sobre como agir quer na ignorância quer na sabedoria. “Por escrito”, é bom avisar, com o fito de não sermos linchados pelas ruas e podermos continuar a procurar o recanto de paz, ainda que seja por meio de muita luta ou por meio de grandes guerras!
In: CASTRO, João Rosa de. Fogo Fátuo. 1 ed. São Paulo: Autopublicação, 2024. Disponível em <https://www.pedradetoque.com/product-page/fogo-f%C3%A1tuo-1>.
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