Fogo Fátuo: o Contardo contou a história
- João Rosa de Castro

- 11 de nov.
- 2 min de leitura

Sim. Apesar de falar de ódio com prazer, Contardo Calligaris parece ser bem-vindo ao Brasil. Creio que seja mesmo no ódio que ele encontra o desejo sexual. Não sabemos como deve ser isto em seu pensamento. Mas, odiar uma pessoa e estar com ela na cama nos proporcionando prazer… Achamos estranho. Até mesmo o amor afasta o desejo. Adivinhamos que é necessária uma certa neutralidade para que seja possível um bom orgasmo na companhia de alguém. Uma distância suficiente para não pensarmos em posse, autoridade, segurança, conquista certa e outras convenções que podem levar um casal tarimbado a desistir do gozo sexual.
Mas em Hello, Brazil, ele parece passar a limpo muito do que gostaríamos que um psicólogo dissesse sobre nosso comportamento. Justificando, talvez para não ser linchado, o “jeitinho brasileiro”; justificando o pai (colonizador) que leva o filho (colono) aos prostíbulos; dando novo significado às vozes que falam dentro de nós: a do colonizador e a do colono. E analisando a incômoda voz frustrada dos nossos “fantasmas”: o escravizado e o indígena.
Já dizíamos em nossa crônica, Hibridus Tragicomicus, algo semelhante ao Hello, Brazil, de Calligaris. Exceto porque ele não inclui entre essas vozes-fantasmas a voz frustrada do judeu errante, que também está presente muito sub-reptícia no âmago de nossas relações.
No entretanto, parece mesmo certo que o americano (seja o meridional, seja o setentrional) “fale de seu futuro”, enquanto o europeu “fale de seu passado”. Provavelmente, nisto de psiquê revelada, o analisando busque em seu interior o que ele tem de melhor. Em ambos os casos, estamos diante de uma refinada insatisfação com o presente.
Jorge Forbes já dizia alhures que atualmente (não sei se estava se limitando ao Brasil) não é mais possível cuidar da psiquê e seus percalços desde a infância, no modelo freudiano de se fazer psicanálise.
Há muita coisa urgente que carece de ser cuidada na atualidade e que impede a oitiva dos devaneios e dos traumas em torno da infância. Para ele, vale mais a pena investir no presente, isto é, no que está incomodando o analisando no momento de sua escuta.
Talvez Forbes também tenha percebido essa diferença no pensamento latino-americano, em geral, e brasileiro, em específico, citado por Calligaris — o de projetar-se (talvez por demais) no amanhã. Dizemos “por demais” porque, apesar de ser algo produtivo, quanto mais nos projetamos para o futuro, mais corremos o risco de nos frustrarmos quando o futuro for sentido como presente.
Finalmente, o contato com esses pensamentos do Contardo valeu a pena. Valeu o ano de 2018. A CPFL e a TV Cultura acertaram na escolha do último café apresentado no ano, e que venha o futuro, pois temos agora o pensamento afiado e a confiança renovada para mais um janeiro. Que venha, pois, mais um café, que venha mais um Janeiro!
[CASTRO, João Rosa de. Fogo Fátuo. 1ª edição. São Paulo, 2024].






Comentários