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Superego Cultural: os hamsters de Quixeramobim - Parte II

  • Foto do escritor: João Rosa de Castro
    João Rosa de Castro
  • 27 de mai.
  • 3 min de leitura

Transgrediriam a ética astrólogos que chegassem ao pé do chefe de estado de qualquer nação em busca da civilização, como que propondo trabalho infantil ao anunciar a ele o futuro nascimento de um suposto governante recém-nascido que o destronaria, como também foi o caso de Édipo; um futurólogo, ou seu defensor no governo, que afirmasse sem fundamentação histórica que “sairia [em criança] um governante para ‘pastorear’ o povo”; os astrólogos também teriam transgredido a lei por desacato à autoridade ou por insubordinação ao não cumprirem a promessa feita ao estadista de informar onde estava a criança, fugindo por caminho que desviasse dele; o padrasto do infante seria culpado por ocultá-lo, em vez de dialogar, por resolver os problemas da vida prática através de sonhos; e quanto à mãe nem se fala; o conselho tutelar ia pegar fogo até descobrir o que fazer para penalizar semelhante genitora. Todos, insubordinados, já prenunciavam a anarquia que esse e outros filhos do casal poderiam representar a essa “sociedade”, inclusive ao Brasil, se por azar essa história se tivesse desenrolado em solo tupiniquim.

Enfim, os fatos do segundo capítulo do Evangelho de Mateus se desencadeiam numa sucessão de coincidências tão banais que sinto até vexame e coro ao arriscar avançar nesta pequena escrevinhação. A omissão dos astrólogos foi um dos maiores crimes contra a humanidade, na medida em que motivou a eliminação de todos os meninos pelo rei. Teria Herodes agido assim se tivesse encontrado a criança prometida e comprometida até o pescoço? Não teria sido mais humano para a história que tivesse encontrado o pequeno, recém-nascido e já procurado (e quem sabe se afeiçoasse dele), do que dar cabo da vida de sabe-se lá quantos possíveis futuros homens de bem?

Nisto de fazer acepção de pessoas os judeus já estavam treinados – que Abel já fora “melhor” que Caim, na conta do “Senhor”; que Isaque já fora “melhor” que Ismael; que Jacó (ou Israel) já fora “melhor” que Esaú – isto só para citar os “melhores” entre dois irmãos, palpita como não devia ser a competição entre não-irmãos; veja se o nazismo não agia um pouco como um “fazer provar do próprio veneno”. Veja se não é esta também a raiz da contrapartida que atende pelo nome de “antissemitismo” hoje. Ah, se eu fosse filólogo! Estes semelhantes despropósitos não devem figurar como apologia a nenhum dos dois expedientes (a saber, nazismo ou antissemitismo), senão como uma base para compreendê-los do ponto de vista da história.

Isso justifica minha avaliação, ao menos quantitativa, da importância dos meninos massacrados por Herodes, afora o estigma que pode ter passado a exalar a pequena palavra “rei” – vai saber se não é com esse odor, vindo de insatisfações remotas, que precisamos sustentar no nosso currículo a Revolução Francesa por sobre a história.

O que teria sido o mundo com todos ou com alguns desses meninos não podemos apurar por razões óbvias; mas o mundo com aquele que se safou de “sabe-se-lá-o-que-é-que-teria-feito-o-rei”, sabemos o que é: um mundo-salada onde todos entramos e saímos sem as devidas licenças, todos traímos, todos bebemos, todos aderimos ao voyeurismo; todos desrespeitamos o sinal vermelho e ultrapassamos pela direita; todos queremos a fila no mesmo lugar, na mesma hora; todos reclamamos entre nós do governo em que nós mesmos votamos, mas não reclamamos cara a cara porque não sabemos falar e podemos ser punidos por desacato à autoridade ou desrespeito ao funcionário público; não sabemos falar porque a oralidade é um “luxo” e “é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico ir para o céu” – e vejo na Rebouças um cidadão dirigindo e limpando o nariz com o dedo e passando o resultado de sua imundície no avesso da porta da sua própria Ferrari. Realmente não sabemos como seria o mundo com os meninos. Evoé!

In: CASTRO, João Rosa de. Superego Cultural. 1ª ed. São Paulo: Autopublicação. 2017, disponível em <pedradetoque.com>.

 
 
 

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