Superego Cultural: Rosely Sayão - II
- João Rosa de Castro
- 2 de set.
- 3 min de leitura

Percebo o discurso de Rosely Sayão e me purgo do sentimento de culpa por abandonar meus pupilos. Ontem ela dizia ser de suma importância preservarmos o nosso papel de professores e não confundirmos a função de pais e de professores.
Eu nĆ£o tinha ninguĆ©m para reivindicar essa função; sobretudo porque nĆ£o sou pai. PorĆ©m, creio que, em vista de uma Ć©tica Ć s avessas, muitos professores que sĆ£o pais colaboraram para essa confusĆ£o. AlĆ©m disso, imagino que a maternidade e a paternidade podem persuadir a fazer coisas absurdas. Ter dependentes torna algoz; confirmando a fala da própria conferencista dizendo que educar nĆ£o Ć© muito diferente de āreprimirā.
Antes da Rosely SayĆ£o, nĆ£o sabĆamos nem mesmo o significado da palavra āeducaçãoā ā muitos de nós dizĆamos: āela nĆ£o tem educação, pois fala com a boca cheiaā; āele nĆ£o tem educação, pois cutuca o nariz em pĆŗblicoā.
Ora, ter educação Ć© algo alĆ©m de ser cordial, de ser simpĆ”tico, de ser agradĆ”vel. O menino pode ser um perito em geometria ou em fĆsica e cutucar o nariz em pĆŗblico e ainda assim Ć© lĆcito que o chamemos educado; assim como outro pode ser simpĆ”tico, agradĆ”vel e cordial, mas nĆ£o ter a menor capacidade de aprender na sua Ć©poca mais propĆcia. SerĆ” āmal-educadoā.
Como parece mais fĆ”cil, ou mais prazeroso, ou, atĆ© mesmo, mais urgente āensinarā os jovens a tomarem banho do que dar condiƧƵes para que aprendam as regras do futebol ou do basebol, muitos professores de Educação FĆsica, por exemplo, relegaram ao segundo plano a sua função ā nĆ£o, porĆ©m, arbitrariamente ā os pais estavam deixando de mostrar ou abordar com seus filhos o que seria mais previsto que se aprendesse em casa, em razĆ£o da conveniĆŖncia; nunca me ocorreu investigar se existe chuveiro nas escolas da rede pĆŗblica; ao menos na minha nĆ£o os hĆ”.
Por sorte, o indivĆduo sabe lidar com o seu papel ora de aluno ora de filho (que bom, uma boa notĆcia da psicóloga!) - nós Ć© que estĆ”vamos ora agindo (os professores) como pais ora (os pais) como professores, e isto perturbava a formação dos jovens estudantes.
Por outro lado, sempre tive a impressĆ£o de que quem Ć© professor na escola e pai em casa prejudicou mais a educação do que nós, que somos ādescasadosā ou que nĆ£o temos filhos. A exemplo daquele judeu dA vida Ć© bela, os professores que sĆ£o pais tendem a pĆ“r um fino e sub-reptĆcio vĆ©u por sobre a realidade a ser exposta; nós, professores que nĆ£o somos pais, temos menos ācompaixĆ£oā dos alunos, de modo que nossas verdades para os pupilos nĆ£o tĆŖm vĆ©u; o que nĆ£o quer dizer que precisem ser nuas e cruas...
No entanto, como o sexo, o vigor e a juventude a qualquer preƧo, e, por conseguinte, a multiplicação da āespĆ©cie humanaā estĆ£o em voga, hĆ” mais de dois milĆŖnios, o resultado Ć© sermos uma minoria os professores āsolteirƵesā; e, talvez, sendo uma minoria, sejamos tratados como uma āeliteā do conhecimento por termos mais tempo de nos dedicarmos a ele, e, apesar disso, ou em razĆ£o disso mesmo, sempre farĆ£o o mĆ”ximo para nos censurar. Isto eu vivi na pele na rede estadual; foi uma relação de amor e ódio com os colegas. Confesso que mais ódio do que amor.
Nem Ć© difĆcil comprovar essa expensinhação, para nĆ£o chamar de tese o que estou dizendo: atĆ© mesmo sua excelĆŖncia, a senadora Marta Suplicy, quando candidata Ć prefeitura, condenou o celibato de sua excelĆŖncia, o prefeito Kassab.
Por fim, fuxicos à parte, foi muito bom ouvir a Rosely Sayão mais uma vez: tive a oportunidade de pensar nessas coisas esquisitas. Evoé!
14/06/2011
In: CASTRO, JoĆ£o Rosa de. Superego Cultural. 1ĀŖ Edição. SĆ£o Paulo: Clube de Autores, 2025. DisponĆvel em <https://clubedeautores.com.br/livro/superego-cultural-2>





